terça-feira, 8 de novembro de 2011

E depois da recuperação?

Ser doente mental não é um condição humana à parte, não devem haver ser humanos à parte.
Os doentes mentais têm sentimentos apesar de especificidades mentais próprias, mesmo por exemplo uma pessoa com embotamento afetivo não deixa de sentir, pode é ter uma maneira diferente ou condicionada de o fazer, e o mesmo se passa com demais situações e respetivos graus variáveis. Mais do que isso, apesar da morbilidade que está presente em muitos, a maior parte deles querem saber uns dos outros, têm ligações sociais, vínculos no geral, para se perceber isso e a panorâmica, bastaria se observar um antigo Hospital Psiquiátrico , ou até melhor ver o que se passa em associações e vários tipos de envolvimentos comunitários. O grau de morbilidade não é igual em todos, muitos dos que estão “melhor” são solidários para com os seus semelhantes. Alguns adquirem mesmo uma visão diferente e mais humanizada, que pode fazer refletir a pessoa dita normal. Isto entra em contrassenso com os estereótipos construídos pela sociedade geral. As pessoas com doença de foro mental querem saber dos outros muitas vezes, mas nem sempre a sociedade quer saber deles.
A medicina vai cada vez mais longe e ser doente mental já nem sempre significa a “típica loucura” irremediável, muitas vezes referida e retratada das mais diversas formas, nas artes, literatura, etc. Fala-se até de recovery, uma palavra que os entendidos sabem que não quer dizer simplesmente recuperação traduzida à letra, é muito mais abrangente. Recovery é um processo e mais do que isso... A questão prende-se com a vida depois do recuperação, uma meta a atingir, objetivo de várias entidades e serviços, mas sobretudo do próprio indivíduo. Tudo pode ser feito para se alcançar esta nova fase moldável, de nova estabilidade, em que muito pode renascer de novo. O que é certo é que depois do longo e moroso percurso envolvido, muitas vezes custoso em todos os sentidos, novas dificuldades se põem. A sociedade evidentemente não vai estender um “manto vermelho” para acolher essa pessoa de volta a uma vida plena, mas se calhar o devia mesmo fazer, pois adquirir este patamar não é nada fácil! Requer esforços notórios à escala da situação que a vida impôs, muitas vezes de forma senão aleatória, no mínimo maioritariamente indeterminada. A vida plena como ela devia ser, é depois da recuperação quase uma utopia. Depois dos obstáculos vencidos depara-se com uma série de problemas, que se apresentam também transversais na nossa sociedade. Existe ainda um estigma que parece não desaparecer nunca! Um rasto de situações passadas continuam a descredibilizar a pessoa injustamente. Há ideias preconcebidas baseadas na anterioridade, muitas vezes uma carreira e estudos interrompidos. Sabe-se que a maior parte dos doentes se encontra tratado, é certo, mas não curado; há uma multiplicidade de entraves, alguns sem razão de ser, que partem de pressupostos erróneos.
A autonomia é atingida com um empenho pessoal grande, com certas ajudas e apoios, mas a verdade é que como qualquer cidadão normal, o doente não pode ser nunca verdadeiramente autónomo se não for remunerado por uma atividade profissional ou “subsidiado” justamente. Se por um lado princípios parciais do recovery trouxeram uma melhor qualidade de vida, por outro lado o seu verdadeiro propósito final não é em muitos casos levado até ao final. A parte medicamentosa funciona positivamente em muitos casos, muitos indivíduos alcançam uma quase “normalidade” (o que é a normalidade?”). Diversos fatores, como as condições gerais de vida, pelo menos dos comuns portugueses, são desmotivadoras, adversas por si próprias. Isso não traz nada de bom como é evidente, em especial às pessoa atingidas por problemas de saúde mental. O indivíduo depois duma intervenção frutuosa que advém da medicina mas não só, tem aspirações que estão intrinsecamente relacionadas com padrões de realização pessoal. Se por vezes a motivação é inconstante nestas pessoas, nem sempre patente, porque não pegar as coisas por aí? Porque não apresentarem-se alternativas motivadoras e estimulantes? As expetativas muitas vezes são irreais, mas quando são alvo de um aconselhamento específico, as decisões certas podem ser tomadas. Nada é perfeito, a maior parte das doenças mentais são apenas tratáveis e não curáveis, mas muito pode ser feito. Porque não dar-se as alternativas e a flexibilização adequadas? Enquanto que as pessoas não sentirem a devida segurança para avançar com oportunidades compensadoras e reais, não vão largar os seus subsídios quase indignos, para partir para uma vida ainda mais incerta! O intuito fulcral de tudo por que se luta e da recovery fica incompleto.
A justiça social tem forte relação também com a prosperidade. Muito é preciso ser feito, e muito disso deveria ser começado, para o construir duma sociedade mais eficiente, mais produtiva e inclusiva. A maneira como são tratadas as pessoas mais vulneráveis da nossa sociedade, reflete de facto quem somos. A sociedade também está doente!

Miguel Pereira

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